domingo, 24 de janeiro de 2016

Sistema operacional

"Que país é este", perguntava a música da Legião Urbana. É o Brasil. É o Brasil que construímos a cada dia - todos nós. É o Brasil que aceitamos. É o Brasil com o qual somos complacentes.
Atingimos o nosso limite institucional, penso eu com os meus botões e as teclas do meu notebook, longe do calor de Pindorama. Com as instituições que estão aí, chegaremos onde já estamos. É pouco, muito pouco.
As instituições são o sistema operacional de uma sociedade. O nosso sistema operacional, em construção há séculos e cheio de remendos, deu GPF, a tela ficou azul... o problema é que não há como dar boot no País.
Este livro é escrito por autores que tem posição clara: são contra o governo e o partido que está no poder. Já eram contra em 2014, quando foi lançado, antes da deterioração da situação econômica e do quadro político em 2015. Sempre foram. Estando claro isso, é uma ótima provocação sobre nós mesmos. 
Aceitamos nos pautar por baixos padrões de desempenho, somos complacentes. Apaixonados por nós mesmos, esquecemos de olhar o mundo - que avança. Somos prisioneiros da aliança do atraso com o obscurantismo, forjada há 500 anos. Somos prisioneiros do passado. Somos prisioneiros do nosso modo de ver o mundo.
Sérgio Buarque de Holanda certa vez disse que "a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós [brasileiros]". Já é tempo. Ainda dá tempo? Será que é melhor deixar pra lá? Tá bom assim, né? Ou será que não? Seremos sempre complacentes?

29 anos

Escrevo este blog de forma despretenciosa - divirto-me procurando coisas diversas na web e juntando as pecinhas em linhas não muito elaboradas, ajuda-me a organizar ideias, talvez tenha até algum tipo comunicação truncada e de mão única com alguém. Tem alguém aí? 
Blogs já são obsoletos nos dias de hoje, blogs como este são coisa do passado. Dentro de 29 anos restarão apenas ruínas digitais da blogosfera. Mas o que surgirá de novidade nos próximos 29 anos? Muita coisa! Coisas que eu, você e a maioria neste planeta nem imagina. 
Muita coisa acontece em 29 anos. Você lembra de 1987? Michael Jackson lançou Bad, teve crise na bolsa, o Prozac foi lançado comercialmente - muito apropriado para quem investia em ações. Foi também o ano quando a Apple lançou o Macintosh II, o seu primeiro modelo com display colorido! Isso mesmo... existiam computadores que não era em cores antes... até mesmo sem display... e uns poucos anos antes, nem computadores existiam. Em 1987, nesta época do ano, eu passava veraneio na casa de praia de um querido amigo, no charmoso litoral gaúcho. Preparava-me para fazer vestibular.
O que acontecerá nos próximos 29 anos? Muita coisa!
Até hoje, a inteligência e a capacidade de processamento disponíveis no mundo são limitadas. Em 29 anos, prevê Ray Kurzweill, estaremos conectados, humanos e "máquinas", e teremos a disposição algoritmos e máquinas capazes de pensar, criar e fazer coisas hoje muito além do que somos capazes. A inteligência não será um limitante para a humanidade, possivelmente nem os limites da vida. Chegaremos à singularidade, transcenderemos os limites que hoje temos, emergirá uma nova realidade.
Será que tudo isso irá acontecer? Sonho? Delírio? Leia o livro e tire suas conclusões. Anote o prazo: 29 anos. Confira no futuro... ou peça para o seu avatar, robô ou exocérebro fazerem. 

sábado, 23 de janeiro de 2016

Somos todos iguais... pero no mucho!

Thomas Piketty jogou (muita) lenha na fogueira com o seu "Capital no Século XXI". Economistas, cientistas sociais, políticos, burocratas, jornalistas, curiosos e pitaqueiros de plantão, ricos e pobres - ficaram todos alvoroçados.
Mais do que agitar, chamou a atenção para uma questão chave para o mundo contemporâneo: a desigualdade. À obra de Piketty, seguiram-se debates, TED talks, papers, entrevistas, conversas, artigos, panfletos, reportagens etc. E chegamos a este número da Foreign Affairs.
Existem diferentes perspectivas e argumentos relativos à desigualdade - filosóficos, morais, econômicos - à favor e contra maiores níveis de igualdade econômica. Como quase tudo na vida, a melhor resposta está em algum ponto entre os extremos da igualdade total e da extrema desigualdade. Qual é o ponto? Cada sociedade tem que encontrar a sua resposta. Mas temos pistas importantes.
Tomemos o exemplo do País que mais nitidamente simboliza o capitalismo contemporâneo: the United States of America. Em um dos textos da FA, Danielle Allen escreve: "...many of the founders [como dizem os americanos, os "founding fathers" da nação] understood the achievement of political liberty to require some meaningful degree of economic equality"; mais à frente, continua: "...equality and liberty were understood to reinforce each other...". Em resumo: algum nível de igualdade é preciso para criar dinâmicas virtuosas no capitalismo. Elementos desse raciocínio se fizeram presentes na colonização - não realizada por aristocratas, oligarcas e cortesões (como ocorreu em Pindorama), na criação do modelo socioeconômico da produção em massa, no New Deal, na emergência de uma sociedade de classe média após a 2a Guerra Mundial. Mas o quadro mudou.
Os Estados Unidos de hoje vê minguar a sua classe média e debate a desigualdade com afinco - aliás, tudo se debate nos EUA, à exaustão e de forma muito sofisticada. Por que o tema está em pauta? Porque um mercado de massas precisa de consumidores. Porque a coesão social depende de um certo nível de igualdade. Porque o aumento da desigualdade econômica pode significar o enfraquecimento do "sonho americano". Porque a desigualdade econômica pode significar uma crescente desigualdade de oportunidades e, quando isso ocorre, todos perdem - imagine quantos "Albert Einstens" e "Steve Jobs" nasceram no Brasil e não prosperaram por falta de oportunidade e não geraram uma riqueza que é tão necessária. Porque o modelo social americano dependeu de uma classe média forte.
Piketty mostra que a desigualdade aumentou nos EUA e que esse aumento esteve concentrado na ponta - os que ganham mais passaram a ganhar muito, muito mais. Outro dia desses encontrei no Facebook um gráfico interessante, que reflete um pouco o que aconteceu nos EUA: até 1980 o crescimento da produtividade era acompanhado de um crescimento mais ou menos proporcional dos salários. Em outras palavras, eficiência se traduzia diretamente em mais dinheiro no bolso de quem trabalha. A partir de 1980 deixou de ser assim.
Apesar dos pesares, e de toda a desigualdade, o fato é que, ao redor do mundo, hoje vivemos muito melhor do que antes, muito melhor do que em 1980 - nos EUA e ao redor do mundo. As pessoas vivem mais e com mais saúde, tem acesso a bens e serviços como nunca antes e cada vez menos gente vive na pobrezaPeter Diamandis costuma dizer e escrever que estamos migrando de um mundo "dos que tem e os que não tem" e para um mundo "dos que tem e os que tem muito" - ou seja, um mundo onde onde cada qual terá o mínimo necessário para poder trilhar seus próprios caminhos, desenvolver e realizar seu potencial. De fato, a tecnologia parece abrir essa possibilidade, mas a transição não será fácil, nem está garantida - dependerá dos sistemas humanos, das instituições, das políticas e das escolhas que fazemos e fizermos. 
Manter a coesão social é fator crítico para realizarmos essa transição sem catástrofes. Será um desafio ainda maior nestes tempos de 4a Revolução Industrial, migração em massa e outras transformações.
Desigualdade é tema mundial, com sotaques e cores diferentes em cada canto do planeta, com mais ou menos tecnologia. É questão de vida e, literalmente, de morte em muitos lugares ao sul do Equador. Infelizmente, nós dos trópicos ainda não experimentamos o que os do norte no geral já alcançaram. Vivemos em sociedades que a cada dia dão mostras do esgarçamento social em cada sinal de trânsito.
Analisando outro livro de PikettyPaul Krugman comenta no NYT sobre o risco dos EUA retornarem a um tipo de "capitalismo patrimonialista". Ah... que inveja! "Retornar", esse é o termo usado pelo professor de Princeton. Quem dera tivéssemos superado esse estágio na Terra de Macunaíma. Quem dera tivéssemos saído do capitalismo patrimonialista
Como sair? A resposta não é fácil e os caminhos tortuosos do Brasil não parecer auspiciosos no curto prazo. Como então reduzir a desigualdade? A mesma Foreign Affairs que inspirou este post destaca o breakthrough daquele que foi denominado pelo The New York Times "...likely the most important government anti-poverty program the world has ever seen...", o brasileiro Bolsa Família. Sob várias óticas e métricas, o programa é um sucesso - para ser claro: nem tudo são louros, precisamos mais e há áreas nas quais fizemos pouco progresso. O caminho será longo. Em um lugar que ainda carrega forte traços feudais como o Brasil, as barreiras da pobreza são inúmeras, nem sempre visíveis, nem sempre econômicas, muitas vezes sutis, talvez intransponíveis.
Um artigo recente na HBR aponta que níveis menores de desigualdades levam a mais felicidade. Eu entendo: todos queremos "pertencer", nenhum de nós quer ser "excluído" - do time, do grupo descolado e de 'gente bonita' na escola, da festa, de uma vida com oportunidades e bem estar. Quando desigualdade econômica se traduz em extratos sociais que não se reconhecem como iguais, menores são as possibilidades de mobilidade social e menor é o nível geral de felicidade.
Oxalá o sonho americano possa ser a realidade de mais gente ao sul - se frente à lei somos iguais, tomara que nas oportunidades sejamos menos desiguais. A partir daí, será com cada um correr para chegar na frente. 
Lembro de escutar lá no fim do Brasil, de onde vim: "isso é coisa de rico". Ah... e como é difícil vocês querer (pode?) coisa de rico quando você não é rico. Para o sonho americano ser o sonho de todos, precisaremos não só de novas estruturas, regras, programas... mas também de muito mais empatia. A boa notícia é que isso tem o potencial de deixar todos mais felizes.

domingo, 17 de janeiro de 2016

O dia a dia de todos nós


Quanto custa para girar a máquina que faz o dinheiro girar? Nos EUA, em média, cerca de 2% de cada transação com cartões de crédito. É menos do que em Pindorama, mas certamente rende muito dinheiro. Quer mais detalhes sobre taxas? Veja a tabela de taxas da Mastercard.
A indústria de meios de pagamento é uma das que será transformada pela tecnologia - já está sendo. Mais do que isso, o dinheiro será e está sendo transformado pela tecnologia. 
A Suécia tem a sociedade mais sem dinheiro do mundo, a que menos utiliza moeda em espécie e que também vê rarearem os cartões de crédito. Mas não só os países ricos experimentam essa mudança - o Kenya é um exemplo conhecido internacionalmente de adoção de uma 'moeda digital móvel' e tem o modelo lá desenvolvido sendo exportado para outros países na África e Ásia.
Pagando em dinheiro vivo, você efetua uma transação diretamente com fornecedor daquilo que você está comprando. Os meios de pagamentos eletrônicos baseados em cartões botam um monte de gente no circuito - bancos, empresas emissoras cartões, empresas que processam os pagamentos, fornecedores de seguro, empresas de telecomunicações, data centers etc. Com moedas digitais e novos modelos de sistemas de pagamentos, todo esse pessoal pode desaparecer. Eis aí a grande novidade: é possível fazer transações de forma direta, sem dinheiro vivo, sem intermediários, sem taxas, sem um sistema central de processamento. 
Redes móveis, novas estruturas de dados e algoritmos - como aquele que viabiliza o blockchain - estão por detrás dessa revolução. Essas mesmas tecnologias podem habilitar mudanças em várias outras indústrias e, acima de tudo, na vida pública. 
Imagine se as propriedades fossem todas registradas de forma digital, transacionadas no celular, sem cartórios... imagine se documentos não precisassem de autenticação e carimbos... imagine se você tivesse um único registro pessoal, que valesse para fins fiscais, de saúde, de trabalho, eleitorais, bancários e sei lá mais o quê! Aliás, por que existem tantas identidades? Por que cada um de nós é solicitado a levar cópias autenticadas de nossos documentos para órgão do governo - o mesmo governo que os emitiu?
O dia a dia de cada um de nós poderia ser muito mais simples do que é. Por que não é? Eu aposto os meus bitcoins que a restrição não está associada à tecnologia. 
Este relatório do Aspen Institute é um bom exemplo de um "diálogo que importa". Conversas desse tipo - e organizações que as promovem - fazem falta no Brasil. São peças importantes na construção das ideias que fazem as sociedades irem em frente, rumo ao futuro.