sábado, 23 de janeiro de 2016

Somos todos iguais... pero no mucho!

Thomas Piketty jogou (muita) lenha na fogueira com o seu "Capital no Século XXI". Economistas, cientistas sociais, políticos, burocratas, jornalistas, curiosos e pitaqueiros de plantão, ricos e pobres - ficaram todos alvoroçados.
Mais do que agitar, chamou a atenção para uma questão chave para o mundo contemporâneo: a desigualdade. À obra de Piketty, seguiram-se debates, TED talks, papers, entrevistas, conversas, artigos, panfletos, reportagens etc. E chegamos a este número da Foreign Affairs.
Existem diferentes perspectivas e argumentos relativos à desigualdade - filosóficos, morais, econômicos - à favor e contra maiores níveis de igualdade econômica. Como quase tudo na vida, a melhor resposta está em algum ponto entre os extremos da igualdade total e da extrema desigualdade. Qual é o ponto? Cada sociedade tem que encontrar a sua resposta. Mas temos pistas importantes.
Tomemos o exemplo do País que mais nitidamente simboliza o capitalismo contemporâneo: the United States of America. Em um dos textos da FA, Danielle Allen escreve: "...many of the founders [como dizem os americanos, os "founding fathers" da nação] understood the achievement of political liberty to require some meaningful degree of economic equality"; mais à frente, continua: "...equality and liberty were understood to reinforce each other...". Em resumo: algum nível de igualdade é preciso para criar dinâmicas virtuosas no capitalismo. Elementos desse raciocínio se fizeram presentes na colonização - não realizada por aristocratas, oligarcas e cortesões (como ocorreu em Pindorama), na criação do modelo socioeconômico da produção em massa, no New Deal, na emergência de uma sociedade de classe média após a 2a Guerra Mundial. Mas o quadro mudou.
Os Estados Unidos de hoje vê minguar a sua classe média e debate a desigualdade com afinco - aliás, tudo se debate nos EUA, à exaustão e de forma muito sofisticada. Por que o tema está em pauta? Porque um mercado de massas precisa de consumidores. Porque a coesão social depende de um certo nível de igualdade. Porque o aumento da desigualdade econômica pode significar o enfraquecimento do "sonho americano". Porque a desigualdade econômica pode significar uma crescente desigualdade de oportunidades e, quando isso ocorre, todos perdem - imagine quantos "Albert Einstens" e "Steve Jobs" nasceram no Brasil e não prosperaram por falta de oportunidade e não geraram uma riqueza que é tão necessária. Porque o modelo social americano dependeu de uma classe média forte.
Piketty mostra que a desigualdade aumentou nos EUA e que esse aumento esteve concentrado na ponta - os que ganham mais passaram a ganhar muito, muito mais. Outro dia desses encontrei no Facebook um gráfico interessante, que reflete um pouco o que aconteceu nos EUA: até 1980 o crescimento da produtividade era acompanhado de um crescimento mais ou menos proporcional dos salários. Em outras palavras, eficiência se traduzia diretamente em mais dinheiro no bolso de quem trabalha. A partir de 1980 deixou de ser assim.
Apesar dos pesares, e de toda a desigualdade, o fato é que, ao redor do mundo, hoje vivemos muito melhor do que antes, muito melhor do que em 1980 - nos EUA e ao redor do mundo. As pessoas vivem mais e com mais saúde, tem acesso a bens e serviços como nunca antes e cada vez menos gente vive na pobrezaPeter Diamandis costuma dizer e escrever que estamos migrando de um mundo "dos que tem e os que não tem" e para um mundo "dos que tem e os que tem muito" - ou seja, um mundo onde onde cada qual terá o mínimo necessário para poder trilhar seus próprios caminhos, desenvolver e realizar seu potencial. De fato, a tecnologia parece abrir essa possibilidade, mas a transição não será fácil, nem está garantida - dependerá dos sistemas humanos, das instituições, das políticas e das escolhas que fazemos e fizermos. 
Manter a coesão social é fator crítico para realizarmos essa transição sem catástrofes. Será um desafio ainda maior nestes tempos de 4a Revolução Industrial, migração em massa e outras transformações.
Desigualdade é tema mundial, com sotaques e cores diferentes em cada canto do planeta, com mais ou menos tecnologia. É questão de vida e, literalmente, de morte em muitos lugares ao sul do Equador. Infelizmente, nós dos trópicos ainda não experimentamos o que os do norte no geral já alcançaram. Vivemos em sociedades que a cada dia dão mostras do esgarçamento social em cada sinal de trânsito.
Analisando outro livro de PikettyPaul Krugman comenta no NYT sobre o risco dos EUA retornarem a um tipo de "capitalismo patrimonialista". Ah... que inveja! "Retornar", esse é o termo usado pelo professor de Princeton. Quem dera tivéssemos superado esse estágio na Terra de Macunaíma. Quem dera tivéssemos saído do capitalismo patrimonialista
Como sair? A resposta não é fácil e os caminhos tortuosos do Brasil não parecer auspiciosos no curto prazo. Como então reduzir a desigualdade? A mesma Foreign Affairs que inspirou este post destaca o breakthrough daquele que foi denominado pelo The New York Times "...likely the most important government anti-poverty program the world has ever seen...", o brasileiro Bolsa Família. Sob várias óticas e métricas, o programa é um sucesso - para ser claro: nem tudo são louros, precisamos mais e há áreas nas quais fizemos pouco progresso. O caminho será longo. Em um lugar que ainda carrega forte traços feudais como o Brasil, as barreiras da pobreza são inúmeras, nem sempre visíveis, nem sempre econômicas, muitas vezes sutis, talvez intransponíveis.
Um artigo recente na HBR aponta que níveis menores de desigualdades levam a mais felicidade. Eu entendo: todos queremos "pertencer", nenhum de nós quer ser "excluído" - do time, do grupo descolado e de 'gente bonita' na escola, da festa, de uma vida com oportunidades e bem estar. Quando desigualdade econômica se traduz em extratos sociais que não se reconhecem como iguais, menores são as possibilidades de mobilidade social e menor é o nível geral de felicidade.
Oxalá o sonho americano possa ser a realidade de mais gente ao sul - se frente à lei somos iguais, tomara que nas oportunidades sejamos menos desiguais. A partir daí, será com cada um correr para chegar na frente. 
Lembro de escutar lá no fim do Brasil, de onde vim: "isso é coisa de rico". Ah... e como é difícil vocês querer (pode?) coisa de rico quando você não é rico. Para o sonho americano ser o sonho de todos, precisaremos não só de novas estruturas, regras, programas... mas também de muito mais empatia. A boa notícia é que isso tem o potencial de deixar todos mais felizes.

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