A
Anprotec foi criada em 1987, em um
tempo quando o Brasil de hoje estava além do horizonte. Àquela época, o País não tinha incubadoras tecnológicas (em 1988 já haviam duas), vivíamos uma economia fechada (e
instável)
e o modelo das aceleradoras de empresas estava longe de aparecer.
Na
verdade, pouca gente sabia o que era uma incubadora tecnológia. He, he, he... escrevendo
este post até
lembrei de um caso curioso e divertido: o hoje presidente do BNDES, LucianoCoutinho, apresentava um programa na TV Cultura chamado "BrasilPensa"; excelente programa (TV inteligente), diga-se passagem, tinha um formato inovador e
os temas eram relevantes para o Brasil. Em uma das suas edições, no final dos anos 80 ou início dos 90, o assunto em
debate era "incubadoras tecnológicas". O que aconteceu? Inicia o Programa, Coutinho
introduz o assunto, apresenta os convidados, contextualiza a questão e chama uma matéria externa que serviria como
teaser para a discussão, na qual a repórter apresentaria uma visão do que estava acontecendo no
campo.... ou melhor, na granja! A matéria entra e a repórter aparece rodeada de frangos, apresentando
as novidades e novas tecnologias para incubadoras, conversando com o fabricante
das 'incubadoras' e o dono da granja. Fantástico! Aliás, Brasil Pensa! Pano rápido, volta Coutinho, cara de
surpresa e constrangimento, pede desculpas e diz "é evidente que não era sobre isso a matéria....". Barriga
total.... editor, produtores, repórter, redatores.... ninguém sabia do que estava falando!
Avançamos muito desde então! O Brasil se tornou o 1o ou
2o maior produtor mundial de proteína de frango e o nosso ecossistema de inovação é muito mais desenvolvido. Em
tempo.... produção de
frango tem muita tecnologia! E não é só genética. A Sadia (acho que a Perdigão também.... hoje juntas na Brasil
Foods) foi uma das primeiras empresas privadas brasileiras a usar
extensivamente Pesquisa Operacional para planejar e programar as suas operações, do ovo à mesa, com tecnologia desenvolvida no Brasil. Trabalhar em projetos lá era o sonho de alguém como eu que fazia mestrado e
trabalhava com PO. Depois, nos tempos de consultoria, a empresa da qual fui sócio desenvolveu modelos e
sistemas para empresas do setor, com Aurora e Seara, dentre outras.
Mas este
post não é sobre ovos otimizados. É sobre o nosso sistema de
inovação
sub-ótimo!
Temos
hoje cerca de 400 incubadoras e 200 núcleos de inovação tecnológica (NITs) em Pindorama. Existe mais de uma dezena de
aceleradoras de empresas em operação e floresce o movinento de startups! Está tudo caminhando às mil maravilhas então, não? Não é bem assim!
De forma
explícita
ou subliminar esta Locus joga luz nos em algumas das contradições e desafios que temos para
continuar a construção do ecossistema de inovação brasileiro. Destaco dois
pontos: (i) uma institucionalidade que não é totalmente pertinente ao mundo do Século XXI e (ii) a limitada
disponibilidade na sociedade de competências tecnológicas e, em especial, de negócios.
Temos
quase 200 NITs no Brasil, que vem a ser a versão brasileira dos americanos
Tech Transfer Offices, ou seja os escritórios que instituições de pesquisa devem ter para poder comercializar
propriedade intelectual (o resultado de pesquisas tecnológicas) com empresas. A criação dos NITs foi determinada
pela Lei de Inovação,
promulgada em 2004 e regulamentada em 2005, a qual foi inspirada na americana
Bay-Dohle Act, de 1981. Ou seja, somente 24 anos depois dos EUA criamos uma
parte (ressalto: apenas uma parte) da institucionalidade necessária para que universidades
possam desenvolver conhecimento e efetivamente transformá-lo em tecnologia aplicada na
indústria.
Temos, portanto, todas as dificuldades (e algumas das vantagens) de 'chegar
depois'. É óbvio que é necessário tempo para que se forme capacidade
técnica no País para operar os NITs, mas
precisamos ter pressa e criar instrumentos e incentivos para que isso aconteça. Olhemos um pouco a nossa
realidade para pensar a questão.
As
principais instituições de pesquisa brasileiras são públicas, incluindo-se aí asuniversidades federais e as
estaduais. Os docentes e funcionários dessas organizações são servidores públicos. Se os NITs são novos, é evidente que existem poucos profissionais no País com formação e experiência em comercialização de tecnologia. Como fazer
para suprir essa necessidade (em particular das instituições de ciência e tecnologia públicas - ICTs)? Existem três soluções possíveis conforme a
institucionalidade brasileira:
1.
Contratar novos servidores públicos. Neste caso, não se pode exigir experiência mínima maior que 6 meses (é isso mesmo.... a legislação vigente estabelece que não se pode exigir mais que 6
meses de experiência)
e a seleção
deve ser feita via concurso público, com limitadíssima capacidade de identificar os profissionais que
realmente 'sabem fazer o trabalho' e separá-los daqueles que apenas estudaram para o concurso;
2.
Contratar bolsistas. Neste caso, os contratos são 'precários', não dão direito a benefícios trabalhistas, tem curto
prazo e a remuneração não é das melhores. É difícil imaginar que alguém queira passar a sua vida como bolsista! Logo, para as
ICTs, o suprimento de RHs/competências é instável, as relações não se configuram como relações de trabalho voltadas para
resultados e há
pouco (ou nenhum incentivo) para se investir em formação dos profissionais;
3.
Contratar profissionais no mercado através das fundações das ICTs. Neste caso, a contratação pode ser realizada no
mercado, mas existem limites jurídicos para que profissionais contratacos respondam pela ICT
junto ao setor privado. Além disso, há o sempre presente risco dos órgãos de controle vetarem ou
glosarem atos administrativos e, mesmo, proibirem a contratação de profissionais no mercado
para operar os NITs ou a relação da ICT com a Fundação. Falando claramente: as fundações são um caminho alternativo
criado para que as universidades possam se relacionar com o mercado, é uma solucão para dar conta de
situações
que a nossa institucionalidade do século XX (XIX?) não permite.
Nenhum desses
modelos é
adequado. Ou não
funcionam bem, ou geram sobrecustos ou servem para manter o déficit de competências nas ICTs públicas.
Para que
ICTs públicas
e empresas se relacionem abertamente e de forma produtiva, é necessário que possa ocorrer o livre
fluxo de profissionais entre esses dois tipos de organizações. Se queremos que
universidade e empresa interajam (e esse é o espírito da Lei de Inovação), as ICTS públicas, e as universidades em particular, deveriam poder
contratar livremente profissionais no mercado, definir seus salários, a natureza das relações de trabalho e os padrões de desempenho. Se isso não ocorrer, o mundo empresarial
continuará a
avançar
mais rápido
que a estrutura de ICTs públicas, e há o risco de se aumentar a distância entre os mundos.
Hoje,
somente as ICTs privadas conseguem ter essa liberdade de contratação. Com o passar do tempo,
mantida a institucionalidade atual, poderão superar as públicas - pessoalmente acho que essa competição será positiva para estimular uma
mudança
institucional.
A mudança institucional fundamental
diz respeito à
autonomia universitária e ao regimento do funcionalismo público. Esta edição da Locus traz um debate a
respeito, muito válido,
foca em questões
internas das universidades, cultura (o que é isso? eita termo impreciso), estabilidade do financiamento dos NITs e déficit de RHs, mas que esquece
de tratar a questão das
'regras do jogo'. Deveria fazê-lo, sob pena de nunca enfrentarmos as questões de fundo que travam a inovação em nosso País. Disponibilidade de competências e institucionalidade são temas conexos!
A mesma
edição da
Revista contém matérias sobre as aceleradoras de
empresas e incubadoras corporativas. São dois tipos de organizações que florescem no Brasil,
felizmente.
O
surgimento desses novos tipos de organizações ocorre em contraste com a base já estabelecida de incubadoras
tecnológicas
existentes no Brasil. As aceleradoras estão diretamente conectadas a um movimento de startups que
emerge no Brasil (ainda, majoritariamente, de negócios internet) e é umbilicalmente ligado ao
mercado, a circuitos de negócios internacionais dinâmicos e competitivos e a redes
de profissionais com experiência com negócios tecnológicos. As incubadoras tecnológicas não! Estas últimas surgiram, cresceram e
se multiplicaram no ambiente 'protegido' (sem o contato e a competição no mercado) das
universidades e ICTs públicas e do mundo institucional brasileiro.
Lembremos
que o locus da inovação é a firma e o seu critério de verdade é o desempenho no mercado, não o seu brilhantismo técnico, os humores dos
burocratas de Brasília (deste que aqui escreve, por exemplo) ou a simpatia de
apoiadores políticos.
Logo, contato e preocupação com o mercado são relevantes desde o início - é claro, não de forma desenfreada
Empreender
no setor público
é um enorme desafio. Em muitos
casos, maior do que no mundo privado, pois implica em lidar com uma
institucionalidade que precisa ser transformada e correr riscos muitas vezes
desconhecidos, inclusive pessoais. Assim, faça-se justiça: a tarefa da construção da constelação de incubadoras tecnológicas e parques tecnológicos que hoje temos no País é merecedora de apluasos
efusivos. Avançamos
muito graças ao
trabalho de alguns visionários e empreendedores públicos de alto gabarito, em
geral reunidos em torno da Anprotec. O Brasil tem resultados a mostrar:
milhares de empresas e empregos criados em incubadoras e milhōes de Reais (e cruzados,
cruzados novos, cruzeiros....) em impostos recolhidos.
Também feliz é o País que hoje vê o surgimento de inúmeras startups digitais e
aceleradoras, com esforço e investimento privado. Sempre almejamos isso, certo?
Certo! Mas esse modelo também não resolve o 'problema da inovação' no Brasil.
É
preciso conectar os mundos das incubadoras e das aceleradoras! Fazem (ou
deveriam fazer) parte de um mesmo ecossistema. É preciso conectar ICTs públicas e mercado!
A matéria da Locus apresenta um
quadro comparativo entre aceleradoras e incubadoras que não me agrada, pois acredito que passa uma
ideia distorcida do quem vem a ser cada coisa. Na verdade, retrata como são os modelos no Brasil, mas de
forma nenhuma como deveriam ser ou são nos países mais inovadores.
Diferentemente
do que diz a matéria,
incubadoras deveriam ter mentores, aceleradoras deveriam yambém contar com financiamento público (aliás, essa é uma das ações do Programa TI Maior, lançado recentemente pelo MCT), as
empresas incubadas deveriam ter mais contato com mercado e encurtar o período de incubação, há espaço para incubadoras privadas
(vide matéria
na mesma edição da
revista).... Novamente, é preciso conectar os mundos!
Essa
conexão
novamente pressupõe o
livre fluxo de pessoas entre os diferentes domínios (público e privado) - e,
portanto, uma institucionalidade que permita isso, e passa pela construção de novas formas de diálogo e interação público-privada.
As partes
do ecossistema avançam e cada vez temos mais recursos disponíveis para inovação no Brasil. É chegada a hora de aprofundar
mudanças
institucionais que nos permitam construir um ecossistema de inovação contemporâneo com os desafios que enfrentamos
e que consiga conectar sistemicamente as 'peças do Lego' que já estão aí.
Vale
pensar a respeito e ler a Locus, pois muitos dos elementos, limites, questões, oportunidades, ideias,
soluções
estão lá!
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